Um pouco ressabiados da maratona do dia anterior, decidimos fazer algo bem light e sem muita pressa. Saímos do nosso hotel caminhando tranquilamente, vendo lojas, batendo pernas. Passamos a Praça do Rossio e descemos à bela Rua Augusta. Lá tem lojas de qualidade, muito gente nos cafés e alguns tipos interessantes como o rapaz que tocava acordeom sentado na rua com seu minúsculo cachorro. O gozado era que o cachorro, que carregava meia garrafa pet no pescoço a guisa de cofre para amealhar os trocados, uivava todas as vezes que o cara tocava certa nota no acordeom.
Ah! Sim , ia me esquecendo. Aqui todo mendigo, não são muitos, tem o seu cão. Na nossa rua tem um mendigo que fica o dia inteiro sentado na Igreja, com seus três cães e sua pereba na perna. Os cães dormem o dia todo, mas acho que cumprem o seu papel de sensibilizar o passante. Em Recife, as mendigas usam seus próprios filhos – ou emprestados de outros - para cumprirem essa missão.
A Rua Augusta tem dois imponentes arcos, um no início e outro no fim. Fico pensando sobre qual função de erigir algo tão sofisticado sem ter nenhuma função prática, nem sombra faz. Mas a realeza era assim mesmo, tinha mão de obra sobrando, a função era mesmo de ostentar sua riqueza, acho. Como a bengala, mais tarde, tinha a função de mostrar que não se usava as mãos para o trabalho, outros trabalhavam para você.
Bem, voltando da Rua Augusta nos deparamos com o Elevador da Santa Justa, uma construção antiga e muito bonita encravada no meio da principal área do comércio chique de Lisboa. Subimos e de lá curtimos uma vista interessante da cidade. O elevador nos leva a entrada do Bairro Alto.
E foi para lá que fomos, caminhando pelas ruas estreitas e cheias de ladeiras. Lá tem também uma concentração de casas de fado. Saímos por ali até o ponto mais alto da área. As mulheres param em uma loja de produtos indianos, onde Fabiana comprou um vestido, acho, enquanto nós, e Tonho, esperávamos pacientemente lá fora. E foi nessa espera que demos de cara com uma padaria belíssima, chamada a Catedral do Pão.
Convencemos o grupo a tomar um café só para sentir o clima do local. Quando fomos pagar a conta, perguntei ao senhor do caixa há quantos anos ela havia sido fundada. Ele muito tranquilamente, como se não fosse nada demais, respondeu: 200 anos.
É essa estranha longevidade das coisas na Europa que me fascina.
Pegamos um ônibus e descemos até o Largo do Chiado, de onde pegaríamos o metrô que nos levaria a parte moderna da cidade, no caso o Parque onde houve a exposição internacional de comércio. Lá além do belo Shopping Vasco da Gama, tem um dos maiores aquários da Europa.
Fotos do passeio Augusta e Bairro Alto. Aqui >>>
O metrô do Largo Chiado impressiona pela sua profundidade em relação ao nível que se está, logo na frente da A Brasileira. São vários lances de escadas rolantes rumo ao fundo da terra. É de se tirar o chapéu pela obra de engenharia embaixo de um bairro histórico, onde toda janela tem seus belos azulejos seculares. Pois bem, diferente de outras engenharias, os metrôs daqui não engole ruas e pessoas como o de São Paulo.
Aqui nem um azulejo rachou.
Shopping é igual em todo canto do mundo, tirando algumas variações na arquitetura, o resto é o mesmo ritmo de griffes e pessoas .
A frente do Vasco da Gama sim, é um belo passeio. Uma vasta área que nos leva ao Centro de Convenções, e ao Aquário. Tudo margeando o Rio Tejo, enorme com suas belas e extensas pontes. Fomos caminhando por ali até encontrarmos um local agradável para tomar nossa cerveja com o amendoim que trouxéramos na mochila. Uma beleza! Gaivotas, pessoas passeando e um vista arretada do Tejo.
A cerveja, o amendoim e principalmente a parada relaxante em uma cadeira de bar foi suficiente para nós. Decidimos não ir até ao aquário, que estava poucos metros do bar.
Pagar para vê tubarão enjaulado, não estava no nosso programa. Afinal, temos tubarão vivo e comendo turistas em Boa Viagem. E de grátis!
De volta para casa, paramos lá no Rossio para tomarmos a famosa Ginginha, um licor delicioso de uma fruta local. Bom, mas se o cara avançar fica bêbado.
Aliás foi o que aconteceu com um colega angolano que estava na frente do nosso hotel assistindo a extraordinária apresentação de Dratso, o suíço que morou em Burkina Faso só para aprender a tocar o vibrafone...bem, mas isso só vai acontecer amanhã, no nosso quarto dia em Lisboa.
Fotos do Vasco da Gama Aqui >>>
Filme do nosso lanche no hotel aqui >>>
O La Moneda
O dia tinha sido muito bom, nada muito cansativo e no ritmo normal como deve ser. Norma externa o desejo de comer algo diferente, então fui nas nossas revistas, que havia xerocado em uma apostila e achei o Restaurante La Moneda, que fica na rua Moneda, lá pelas bandas do cais.
Elba lembrou que o cais havia sido revitalizado e que essa era uma área cheia de bares, boates e muita animação. Reservamos o La Moneda para às 10:30 e decidimos ir caminhando até as docas restauradas e depois voltaríamos para nosso restaurante.
A ida de metrô, pois já temos total controle da situação e era ainda cedo. Chegamos no La Moneda, realmente é um restaurante tipo o Matita Perê, de Recife. Não é ambiente para turista, é local de gente de bom gosto e “cabeça”, que está atrás de uma boa comida cercada de gente agradável.
Confirmado o local, fomos caminhando para as docas. Caminhando, caminhando, caminhando... e tome ruas esquisitas e feias, sem ninguém por elas. Nem táxi passava. Eu pensei logo: pronto o dia tinha sido tão bom, e logo agora essa roubada para estragar tudo. O frio, as ruas e nada de chegar em um local que indicasse animação. Ah! Um cara estacionou o carro, vamos lá perguntar a ele. O gajo disse – Estão pertos, mais uns 400 metros e chegam lá, ok, se é assim, vamos em frente. Passaram-se os 400, 600 e 800 metros e nada. Aquele português filho da puta está se vingando da gente pelas piadas que contamos deles no Brasil. A sorte foi que mais adiante havia uma recepcionista de uma boate e, quando perguntei ela disse que teríamos que andar por mais ainda uns 2 quilômetros.
Jogamos a toalha e demos meia volta, na tentativa de salvar a noite.
Chegando ao restaurante, um outro inconveniente que foi resolvido de forma extremamente gentil. Tinha havido uma vernissage de uma artista plástica russa e a galera que foi para a exposição decidira esticar um pouco mais, portanto, nossa mesa estava ainda ocupada. A dona, que é também atendente e bar women, nos ofereceu um coquetel para esperamos. Foi muito bom, era uma espécie de ponche com vinho branco. Gostoso que só.
Ficamos ali curtindo o ambiente por uns vinte minutos até que o cheff Leonardo, e dono do restaurante veio até nós, e cheio de desculpas nos atendeu de forma privilegiada. Resultado: foi nossa melhor noite em Portugal. Depois o cheff vem até a nossa mesa e passamos a conversar boa parte da noite. Ele, muito a vontade, pegou sua dose de whisky e ficou com a gente, como se fossemos amigos de longa data.
Descobri que era chileno e que havia morado na Finlândia e em Moçambique. Sua mãe era do partido comunista chileno quando derrubaram Allende. Seu pai era engenheiro e ficou dois anos na cadeia, até que solto, conseguiu asilo na embaixada da Finlândia. A mãe, uma idealista, trabalha até hoje em Moçambique em uma ONG. Narrei-lhe a minha viagem ao Chile, poucos anos depois do golpe militar, o que acendeu ainda mais sua curiosidade em aprofundar o papo.
Destaquei para ela importância do Governo Allende para a grande maioria de intelectuais e ativistas políticos brasileiros, os quais depois do Golpe Militar de 64 e do AI-5 em 68, foram acolhidos pelo Chile. Dentre eles, os ilustres Fernando Henrique Cardoso, José Serra e outros.
Era esse seu segundo restaurante e ela contou de forma engraçada como chegou ao nome. Reunidos com o irmão, que é seu sócio, e a esposa foram fazer um brainstrom para se achar o melhor nome. Só depois de muito trabalho foi que caiu a ficha: a Rua Moneda, assim mesmo em espanhol, era o mesmo nome do Palácio do Governo do Chile -La Moneda -, onde Allende foi metralhando. E aí ficou La Moneda. O restaurante leva um nome que é um significante importante para a vida do dono.
Voltamos de Táxi, felizes da vida por termos acertado uma programação fora do roteiro turístico, preço justo e tudo agradável.
Leonardo, pelo tratamento gentil e informal, nos deixara encantados.
Estávamos tão realizados que nem a notícia de que o elevador do hotel estava quebrado, nos incomodou. Subimos os cinco andares lépidos e fagueiros.
Para amanhã, nosso último dia antes de embarcarmos para Barcelona, estava reservado para a viagem até Sintra.
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