Acordamos dispostos a retomar nossa caminhada pela manhã. Afinal essa é a nossa marca registrada – minha e de Elba- quando estamos nos exterior. Sempre, antes de tomar café, colocamos o tênis e fazemos à caminhada acelerada. Serve como um certo antídoto – muitas vezes insuficiente -, para os carbohidratos que iremos ingerir durante o dia, como também para mapearmos o terreno e sentir a cidade se acordar.
De vez em quando a gente entra em cada uma de lascar. Lembro-me quando em Buenos Aires, acordamos às 6 da manhã, Elba cheia de protetor solar, roupa de ginástica para o espanto do recepcionista do hotel que nos olhava como se fossemos ET’s. Fizemos o alongamento na calçada e estava tudo escuro ainda. Parecia três horas da madrugada em Recife. Não recuamos, partimos céleres para a Praça Gal San Martin, que fica no começo da Florida e nos danamos pelas ruas absolutamente vazias e escuras. Só na volta, lá pelas 7:30 foi que o dia chegou, e com ele o movimento de jornaleiros abrindo suas bancas de revista.
Bem, agora em Lisboa não tínhamos esse problema. Nos mandamos pela Av. Liberdade e saímos procurando ruas estreitas e ladeiras para nos enfronharmos nelas. O lugar não era tão bonito como o Parque, mas valeu a pena. Chegamos perto da entrada do Jardim Botânico, que pelo mapa pensei que fosse mais distante do nosso hotel. Como estava fechado, demos meia volta e nos dirigimos a praça do Rossio e depois para nosso hotel.
Fotos da caminhada aqui >>>
O café da manhã é simples , mas o atendimento do casal de idosos compensa. Todas as vezes que terminava o café ia até a copa pedir um pouco de gelo para a água, pois detesto água natural. Hoje, quando cheguei, logo assim que me sento, lá vem aquele senhor educado com a xícara cheia de gelo.
Considerando o enorme fluxo de turistas naquelas vinte e tantas mesas, todas ocupadas, num vai e vem incessante, esse gesto me sensibilizou.
Sintra
Nossa familiaridade com os trens e metrôs nos permitiu partir para Sintra de trem.
À medida que nos afastamos do Centro de Lisboa chega-se a uma periferia igual a de qualquer grande cidade. Ou seja, feia e de arquitetura repetitiva.
A cidade é fincada no meio de várias montanhas e suas atrações principais são: os castelos, que são dois – bem , há uma diferença hierárquica entre castelo e palácio que não vale a pena explicar aqui -, e o seu centro comercial com muitos artesanatos.
Pegamos um ônibus que nos leva ao tour dos palácios. O bicho vai acelerado por aquelas ruas estreitas e tome a subir. A gente em pé, espremido no meio de turistas do mundo inteiro, fica zonzo de tanta subida, numa ladeira em espiral que parece que não vai acabar nunca. Por baixo, são mais de vinte curvas subindo e subindo.
Me impressionou foi que quando estávamos já perto de chegar, lá vinha um ciclista no seu ritmo lento mas firme, tãin, tãin, tãin subindo aquela ladeira como se estivesse no quintal de sua casa. Eita cabra macho da gota!
Descemos finalmente em frente a um castelo onde já tinha uma fila de lascar de grande. È tudo muito bonito. Uma densa floresta e uma vista da cidade em baixo muito bonita, mas aquela fila não estava na nossa agenda.
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Quando você está com fome, com vontade de fazer xixi e esperando em uma fila lá em cima de uma montanha, você começa a pensar besteira. Foi aí que provoquei Antônio Carlos fazendo a comparação entre a noite desagradável lá na casa de fado, com aquela japonesa chata e a noite no La Moneda. Aí eu disse:
- Tonho, aquela japonesa cuspiu na sopa de vocês! Ela já estava arretada porque a gente não ia consumir nada além do courvert, Elba derrama vinho na toalha e Norma diz que a empregada dela faz uma sopa de caldo verde melhor, e ainda por cima pede para esquentá-la. Está muito claro que ela quando foi esquentar cuspiu na sopa de vocês.
Aí Tonho fez aquela cara, ficou pensativo e deu um sorriso amarelo.
A fila andava, eu esperava um pouco mais e soltava outra, olhando de lado com se estivesse comentando comigo mesmo:
- Ainda bem que minha sopa e a de Elba era de tomate e estava quente!
Aí ninguém se agüentou e caímos todos na risada.
- Você não notaram aquele riso malicioso no canto dos lábios dela, enquanto olhava vocês tomarem a sopa?
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De imediato avaliamos e cancelamos a vista ao castelo. Ficamos apenas com a do palácio, que é maior e mais interessante.
Anda-se alguns metros para chegar até a entrada do Palácio. Lá tem as opções de você subir por uma ladeira, pelo meio da floresta, ou de subir de ônibus que fica circulando o tempo todo. Norma foi de ônibus e nós subimos a pé.
Lá dentro , descobrimos que tínhamos que enfrentar outra fila, apenas para garantir o fluxo normal de pessoas dentro do castelo.. ops palácio.
Tudo muito interessante e profissional. O palácio pertenceu a um rei, que era alemão e como tinha medo de ser assassinado, fez sua “humilde” moradia de férias bem longe do povo. Essa é minha versão rasteira para a forma erudita que me foi contada pelo guia, com nomes, datas e tudo mais.
Tudo está absolutamente preservado, louças, móveis, cristais etc... É como se tivessem congelado no tempo.
Os guias sempre muito atenciosos e bem informados.
Me chamou a atenção o quarto do rei, bem distante do da rainha. Até aí tudo bem, mas o estranho é que a rainha tinha um oficial de guarda particular cujo quarto é conjugado ao dela. Devia ser o seu personal alguma coisa daquela época.
Na descida ficamos um pouco no centro, onde comemos um delicioso sanduíche com cerveja. Após rápido passeio pelas lojas de artesanato, pegamos nosso rumo de volta a Lisboa.
Fotos de Sintra aqui >>>
Fotos de Tonho, clique na imagem abaixo:
Sintra - Fotos de Antônio Carlso Reinaux |
A última noite em Lisboa.
Estava terminando o meu banho quando ouço um som forte e bonito, vindo lá de baixo da rua e entrando pela janela do meu banheiro. Era uma música cheia, primitiva e diferente de todo instrumento que eu tinha ouvido. Era muito bonito. Vou, ainda enrolado na toalha – lembro o frio era de 8 graus - para vê o que era. Lá embaixo eu vejo um cara tocando uma espécie de Xilofone primitivo, feito de madeira e cabaças. O músico, era um cara jovem e branco com cabelos cheios de dreadlocks, tipo rastafari.
Acordo Elba do descanso e digo-lhe que vou assistir o show do músico na rua, em frente ao hotel.
Como havíamos decididos a ficar apenas em nossa rua, pois viajaríamos amanhã, eu já estaria esperando a turma lá fora.
O músico é um rapaz chamado Dratso, é de Zurique e tocava bateria em uma banda de rock quando se apaixonou pelo instrumento, que é originário da África. Foi morar com uma família de Burkina Faso, um dos países mais pobres do mundo, que fica próximo ao Congo. As casas de lá têm uma arquitetura primitiva e são feitas de barro e estacas. Parecem casas de cupins. Pois bem, o Dratso viveu cerca de um ano com uma família só para aprender a tocar o instrumento.
No filme que gravei, vocês me ouvem conversando com um angolano que disse que em Angola tem muitos músicos que tocam o vibrafone, mas nunca tinha visto um músico com tanto talento como o do Dratso.
O filme de Dratso com seu vibrafone aqui >>>
Conversei bastante com ele, que era uma figura muito simpática e fazia da vida uma permanente perambulação pelo mundo.
Ficamos passeando pela rua , lá mais adiante o grupo da ginginha já começava a se formar. A ginguinha é boa, quente e barata, daí desocupados, estudantes e músicos serem seus principais usuários. Como tem muito turistas jovens, se cria aquele clima de paquera no ar.
Ao canto, encostado em uma parede, tocava sua clarineta um músico francês.
Elba começou a chiar com o frio e pediu para voltar para o hotel. No meio do caminho decidimos entrar em uma pizzaria. Foi uma surpresa. A pizzaria era enorme e muito boa. Fomos atendidos por um rapaz e uma moça, ambos brasileiros. Ele é de São Paulo e ela do interior de Curitiba.
Matamos nossa curiosidade sobre como é a vida deles aqui. O esquema, pelo menos dos dois, é muito interessante. São ilegais mas a pizzaria paga alojamento e dá comida fora o salário que fica na faixa de 700 euros, mais as gorjetas. A garota enviava quase tudo para a família no Brasil.
Ouço o som de Dratso lá fora, que a essa altura já estava perto da turma da ginginha. Deixo o grupo na pizzaria e vou até onde estão os músicos. Tudo muito animado, parecia um encontro de colegas. Tinha um japonês que tocava Tom Jobim no violão clássico, um angolano negro e desdentado que tocava seu tambor e outros. E eu no meio entrosado que só.
Fotos da noite, aqui >>>.
De repente uma pequena confusão. Um cara já cheio das ginjinhas cismou de mijar na rua. Deu azar e dois policiais o pegaram no flagra meeeesmo! O angolano, que quando sóbrio havia conversado comigo estava agora em uma situação deplorável: bêbado, a voz engrolando, cambaleante e ainda por cima com o pênis na mão. Quando ele se virou, esqueceu de parar de mijar.
Aí eu só ouvia o guarda puto gritando com aquela voz autoritária Termine aí mesmo!! Termine!!!
Demos boas gargalhadas ao longo da viagem relembrando desta cena.
Pronto aqui foi Lisboa. No outro dia partimos para Barcelona onde lá iríamos encontrar Guilherme, nosso filho que mora em Milwalkee, EUA e fazia quase dois anos que não nos víamos. Ele estava acompanhado de Gina e Brian, grandes amigos.
Guilherme iria passar um oito dias com a gente, nos deixando em Paris.
Aguardem o blog de Barcelona.
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